CRIADA
Quando me apanha às escuras
No fundo do corredor,
Todo ele são ternuras
Chama-me seu lindo amor.
Diz que a minha é bem mais linda
Do que a cara da patroa,
E que na família ainda
Cabe mais uma pessoa.
CUNHA
Quem será o figurão?
BRASILEIRO
Eu não sei quem ele é.
CUNHA
Tanto pode ser João
BRASILEIRO
Como pode ser José
CRIADA
Quando eu pego no miúdo,
Por ele estar a chorar,
Ele deixa logo tudo
P´ra o vir acariciar.
Nem uma santa do céu
Dava mais extremosa mãe
Dum filho que fosse meu.
CUNHA
Tem muito bom coração
BRASILEIRO
Que boa alma encerra
CRIADA
Destas há muitas patrão
Nesta abençoada terra.
CRIADA E CAIXEIRO
CAIXEIRO
Ainda bem que te vejo
Para te poder falar
CRIADA
Pois olhe que o meu desejo
Era nunca o encontrar
CAIXEIRO
Não sejas assim esquiva
A quem tanto bem te quer,
CRIADA
Sou orgulhosa e altiva
Do meu brio de mulher.
CAIXEIRO
Alta é a cruz da Igreja
E dá-lhe a sombra no chão,
CRIADA
Se é no chão que me deseja
É porque é fraca a afeição.
CAIXEIRO
Quero-te no chão ou no céu
E bem juntinhos os dois.
CRIADA
O que você quer sei eu
O pior era depois.
CAIXEIRO
Anda cá não tenhas medo
Não tens para isso razão,
Que eu sei guardar um segredo
No fundo do coração.
CRIADA
Esteja quieto seu demónio
Que a bilha pode quebrar
E depois nem Santo António
É capaz de a concertar.
CAIXEIRO
Se amar é a lei da vida
Porque não queres tu amar?
CRIADA
Por ver que há tanta perdida
Apenas por confiar.
CAIXEIRO
Ninguém se pode esquivar
Aquilo que Deus destina.
CRIADA
Hei-de pedir-Ihe a rezar
Para me dar boa sina.
CAIXEIRO
Porque é que tu não desejas
Para sina este amor louco.
CRIADA
Porque ele é como as cerejas
São boas mas deram pouco.
CAIXEIRO
Andavas sempre calçada
Vestias coisas bonitas
CRIADA
Eu só estou acostumada
A riscados e a chitas.
CAIXEIRO
Anda cá não tenhas medo
Não tens para isso razão
Que eu sei guardar um segredo
No fundo do coração.
CRIADA
Esteja quieto seu demónio
Que a bilha pode quebrar
E depois nem Santo António
É capaz de a concertar.
FADO DO PRESO
Já dois crimes cometi
E por ambos fui julgado
Vou amanhã p´ró degredo
A vinte anos condenado.
Nasci de pobre mulher
A quem ele abandonou
As esmolas pelas vizinhas
Foi o dó que me criou.
Em ninguém, vi o desejo
De me dar na cara um beijo
Depois que ela faleceu.
Só por desgraça vivi
Porque sendo assim tão novo
já dois crimes cometi.
Era já um homem feito
Quando um dia por azar,
Entrei, não estando ninguém,
Na venda do meu Iugar.
E vinte escudos roubei
Da gaveta que arrombei.
Bebi entrei em desordem
Onde um foi assassinado,
Fora eu quem fiz o crime
E por amigos fui julgado.
Nunca mais me cobrirás,
Cemitério da minha aldeia
Meus ossos não comerás,
Ribeiro de águas correntes
Onde nas tardes mais quentes
O meu corpo refresquei,
Eu vos digo adeus bem cedo.
Que em cumprimento da lei
Vou amanhã p´ro degredo.
E poucos de mim têm pena,
Mas talvez para o castigo
A vida seja pequena.
É preciso a sociedade
Livrar da minha maldade
Os juízes me disseram,
Para vir regenerado
Assinaram a sentença
A vinte anos condenado.
A ALCOVITEIRA
Foste comigo um ingrato
Namoro quero acabar,
Pois ontem quebraste a jura,
Fizeste triste figura
E foste preso em Tomar.
Não te hei-de ver
Vai para Tomar,
Vou-te esquecer
Assim que veja do céu
Desaparecer o luar
Do quintal à janelinha
Aquela que é mais baixinha
Que me venha então falar.
Abraçadinhos
E entre abraços
Muitos beijinhos.
Que recuso os seus presentes
Pelo preço que ele quer,
Não preciso dos sapatos
Uso doutros mais baratos
Vão dá-los a quem quiser.
Tão grande asneira,
Ele casado
E eu solteira.
Esteja certo eu lá vou ter
Pouco depois da noitinha
Eu saio sempre sozinha
já não tenho que fazer.
P´rá cama cedo,
Eu vou contigo
Não tenho medo.
Que de uma vez o despeço
Não me torne a voltar cá,
Fui à praia este verão
E deixei o coração
Apaixonado por lá.
E não me masse
Da minha porta
Ao Ionge passe.
MOTORES
Dois pobres motores
Cheiinhos de dores
Que estão muito mal.
Que vida tão dura
De tanta amargura
Ali na Central
Começa o desgosto,
Trabalho a valer.
E até madrugada
Sem hora folgada
É sempre a bater.
Os tais empregados
Tiranos malvados
Sem pena de nós.
Aí p´la uma hora.
Pisgam-se p´ra fora
E ficamos sós.
Co´o estômago em brasa
E vão-se deitar.
Fazemos ruídos
Nunca mais ouvidos
Que estão a roncar.
Um tal Zé do Côto
Tão mau, tão maroto
Que mal nos tratou
Com trabalhos aflitos
Que nomes bonitos
Ele nos chamou.
Pequeno e magrinho
Que veio depois,
Armou, desarmou
Lixou, martelou
Estafou-nos os dois.
E aqui lhe trouxemos
A luz sem rival.
Ai mas não nos batam
Que à trolha nos matam
Ali na Central.
MOTOR GRANDE
Olhem-me p´ra isto
Eu pareço um Cristo
´stou feito em bocados.
O injecta estúpido
Um braço partido
Os bronzes queimados
Eu tão pequenino
Era esperto e ladino
O estado em que estou,
Estragam-me a bomba
Co´um soco na tromba
A cabeça estalou.
MOTOR GRANDE
De todo enterrado
Há meses parado
A vida me farta.
Não haver quem peça
Que venha depressa
Um raio que me parta.
MOTOR PEQUENO
Gemendo e chorando
Castanha levando
Eu cá me aguento
Com tanto trabalho
P´ra pouco já valho
E um dia rebento.
OS DOIS
Em que hora maldita
De tanta desdita
E por nosso mal
Nos foram prender
Para ali jazer
Naquela Central.
O POLÍTICO
Na farpela, meus senhores,
Eu uso todas as cores,
Branqueado
Azulado
O encarnado
E viro-a todos os dias.
Nos tempos de outra senhora
Que há muito se foi embora,
Fui franquista
Progressista,
Alpoinista,
Em dois anos, pouco mais.
E acabou a barafunda,
Fui presente
De repente
Ao presidente
Dei vivas à liberdade.
Dum grande centro almeidista
Aproveitei
E votei
Já não sei
Quantas moções liberais.
E quando teve o penacho
O Dr. Brito Camacho
Romarias
Cortesias
Fui uns dias
Fazer ao centro da Luta.
Estive, também filiado
No partido
Mais unido
Destemido
Do Dr. Afonso Costa.
Arrependido fiquei
Dos erros me confessei
E contrito
Muito aflito
Fui inscrito
Na católica facção.
Em chegando a Portugal
O Dr. Cunha Leal
Se ele vem
Inda bem,
Lá me tem
Na união liberal.
Enquanto a ausência dura
Meto-me na ditadura
Sem demora
Que isto agora
´star de fora
Não dá nada, não se atura,
P´ra virar tenho um jeitão
São demais
Os ideais
Todos Iguais
Melhor é quem dá mais pão.
D. ELVIRA
Conhecem a D. Elvira,
Sempre toda bem postinha,
Um amor...
A quem os homens perseguem
Tanto velhos como novos
Com ardor...
Me costumo há muito tempo
Perfumar,
Arrebitam o nariz
E vem tudo atrás de mim
A cheirar.
Às vezes mostro de longe
O que trago escondido
No cestinho.
Não há um só que resista
Ao prazer de vir provar
O biquinho.
Muito rico e barrigudo
Era assim.
Veio pela Avenida acima
A pedir todo meiguinho.
Dê-mo a mim.
Mas eu fugi-lhe aos encartes
Ficou de beiço caído,
Amuou.
De longe fiz-lhe negaças
Mostrei-lhe o bico a dizer
Não lho dou.
Bonito, desempenado,
Lindo olhar.
Quando eu estava distraída
O meu bico conseguiu
Apanhar.
Ficou o bico roído
Mesmo aqui.
Ele foi muito maroto
E eu culpa não a tive
Que não vi.
Se algum senhor desejou
Quer provar.
Ninguém quer, então adeus,
No restinho o lindo bico
Vou guardar.
ROMÃO E A SOPEIRA
ROMÃO
Mi Dios que barbaridad
Que grande cançasso apanho
Nunca vi em vida minha
Tesoura deste tamanho.
SOPEIRA
Há por cá muito maiores,
Tem visto pouco o Romão,
Amole-me isto depressa
Preciso dela ao serão.
ROMÃO
Amolo, amolo,
Que toda a vida amolei:
Tesouras deste tamanho
Só nesta terra encontrei.
SOPEIRA
E esta faca
Que aqui trago p´ra afiar
Como está cheia de bocas
Não é capaz de cortar.
ROMÃO
Usa sabres mais pequenos
P´ra que quieres faca tan grande
Guapa niña de mis sueños?
SOPEIRA
P´ra cortar línguas somente,
São mais duras do que o ferro
As línguas de certa gente.
ROMÃO
Amolo, amolo,
Que toda a vida amolei:
Mas facas deste tamanho
Só nesta terra encontrei.
SOPEIRA
Ainda bem
Com elas afiadinhas
Como vou arreliar
Encher de inveja as vizinhas.
OS DOIS
Amolo, amolo,
P´ra cortar línguas danadas
Só grandes facas, tesouras,
E sempre bem afiadas.
TESOURA E FACA
AS DUAS
Sempre amigas, sempre unidas,
Vivemos alegremente,
E vamos passando a vida
A cortar em toda a gente,
TESOURA
Corto com desembaraço,
Muita gente me receia,
Porque algumas vezes faço
Uns cortes na vida alheia.
FACA
Eu também corto e recorto
E em sendo pessoa amiga,
Até as verdades corto
Para fazer a intriga.
TESOURA
Aí corta, corta,
Corta bem minha amiguinha,
Sentadinha à tua porta
Com a comadre vizinha.
FACA
Ninguém, ninguém,
Tanto servicinho faz,
Porque se uma corta bem
A outra não lhe fica atrás.
TESOURA E FACA.
São geralmente os doutores
Que nos dão mais que fazer.
E cortar nesses senhores
É um dobrado prazer.
FACA
Os vereadores actuais
Se deixarem o poder,
Também devem ser dos tais
Que dão muito que fazer.
TESOURA
Mas se assim for a casaca
Do ilustre presidente,
Não se corta com a faca
Corto-a eu certamente.
FACA
AI, tesourinha,
Deixa-me cortar também,
Que cortar nessa gentinha
Deve saber muito bem.
TESOURA
Vamos a ver
Talvez te diga que sim
Pois há tanto que fazer
Que é demais p´ra mim
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