O terrível ciclone que assolou o país, derrubando árvores, destelhando casas, provocando inundações e naufrágios, interrompendo comunicações e causando prejuízos que se não podem avaliar senão aproximadamente, mas que ascendem a muitos e muitos milhares de contos, envolveu igualmente na sua fúria pavorosa o nosso concelho, cujos imensos pinhais e olivais – sua principal riqueza – foram rudemente tratados pela ressaca que a alguns dizimou quase totalmente. Pobres, remediados e ricos, todos sofreram na proporção dos seus haveres. Os próprios que não possuem uma folha verde sentirão o reflexo da catástrofe na sua infalível repercussão económica. Basta dizer que a indústria da resinagem que ocupava no nosso concelho alguns milhares de braços, deixa praticamente de existir por largos anos com o desaparecimento de pinheiros em estado de desenvolvimento que alimentem essa actividade.
A noite de sábado, 15, foi um horror. O bramido dos elementos, uivo gigantesco e arrepiante, durante horas consecutivas atemorizou os menos assustadiços. Telhados que voavam, muros que ruíam, árvores seculares que desabavam, completavam o quadro nunca até aqui observado de destruição e ruína. O colossal eucalipto, pórtico gigantesco que antecede de duas centenas de metros o Cemitério desta Vila, árvore que gerações sucessivas têm admirado e popularizado, não resistiu às forças ciclópicas da devastação que acabaram por fazê-lo baquear, danificando a estrada e interrompendo o trânsito.
Tudo levou o selo da tormenta. Para qualquer dos lados onde se encaminhem os passos o aspecto de desolação é idêntico. O famoso Pinhal do Rei, propriedade da Casa de Bragança, mais parece em determinados pontos árida charneca onde tivessem ido embater e repousar os destroços de imensa borrasca, do que, a mata opulenta que era orgulho da região e amparo de pobres. Nas freguesias de Freixianda, Ceissa, Atouguia, Olival, etc., onde existem grandes massas de pinhais, os estragos atingiram proporções incalculáveis. Na Fátima, Alburitel, na antiga Vila de Ourém e noutros pontos altos, os destroços em edificações foi também desanimador. Na sede do concelho os prejuízos em edifícios públicos e particulares atingiram igualmente certa importância. No Hospital de Santo Agostinho o telhado ficou, em parte, completamente “migado” e a torre do aeromotor que abastece de água aquela instituição de caridade e a Casa da Criança que funciona no mesmo edifício, dobrou-se em ângulo recto sobre o próprio eixo indo a cabeça do “moinho” cravar-se no telhado da casa mortuária que lhe fica próxima. O pavor atingiu o auge entre os doentes internados no Hospital quando a impetuosidade do vento ou qualquer força sísmica chegou a provocar no edifício – apesar da sua magnífica solidez – oscilações que fizeram rodar algumas camas dos seus lugares. Enfim, um rosário de pavores e de prejuízos.
Sabemos que o Governo não tem descurado um momento o estudo do problema que se apresenta a seus olhos; fazer desaparecer na medida do possível os efeitos do temporal. As outras terras do País onde esses efeitos foram bem mais terríveis, a que portanto mais urgia acudir, já sentiram a estas horas o carinho da sua acção. E na nossa Vila, ainda há dias, funcionários que aqui vieram propositadamente encarregados desse serviço, andaram inquirindo dos principais estragos ocorridos em edifícios de utilidade pública, afim de certamente lhes ser prestado o auxílio oficial. Quanto aos prejuízos particulares, o Governo não faltará naturalmente com a assistência de medidas tendentes a atenuar os seus graves efeitos evitando assim a sua repercussão na economia do País.
Confiemos pois na acção de quem tantas e tão sobejas provas tem dado da sua competência em emergências difíceis.
No “Noticias de Ourém” a 23/02/1941.
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