2005/05/18

Homenagem Póstuma - Joaquim Pereira

Vila Nova de Ourém, 24 de Janeiro de 1937.

Passados são já quinze dias sobre a morte de Joaquim Pereira, e ainda nos fere, como no instante em que tal tivemos consciência, a ideia impiedosa do seu passamento.

E ao traçarmos, como é da mais elementar justiça, o seu panegírico, embaciam-se-nos teimosos os olhos, e treme ou tolhe-se-nos a mão, no cumprimento do dever de prestar homenagem a alguém tão cruamente arrebatado aos afagos da família, ao convívio dos amigos e à actividade da sua importante casa comercial.

Punge-nos doridamente a partida irremediável do amigo muito querido, ora abalado da Vida, cujos encantos ele saboreava como dons preciosíssimos e no mais elevado grau. A negra morte, se a conheceu, deve-lhe ter produzido inenarrável desalento – que a não desejava o seu espírito sequioso da luz do sol!


Joaquim Pereira era natural da risonha vila de Alcobaça, mas cedo os fados lhe indicaram a terra do seu destino – e aqui aportou aos 16 anos, para, ininterruptamente, aqui viver quatro décadas da intensa e honesta labuta, que lhe granjeou a situação de destaque e de desafogo, que, com justiça, usufruía no meio comercial. Da fase em que, pela primeira vez, tivemos a satisfação de com ele privar, quando ainda a vida lhe estuava plena, em haustos de arrebatamento, até ao recente e quási abrupto declínio que lhe precedeu a morte, vai um mar de recordações saudosas, que nos ensinaram a ler claro no livro aberto da sua alma grande…
Dominava-o a preocupação pelo progresso da terra bem amada a que se acolhera, interessando-se por todas as iniciativas que para isso pudessem concorrer. Assim a Banda local, obsessão dilecta do seu espírito, deve-lhe muito! Ainda poucos dias antes de deixar este mundo, numa visita – a última que lhe fizemos – quando já sentia adejar sobre si os negrumes da fatalidade, ele se lhe referiu interessado, postergando para plano muito secundário os seus padecimentos e confiando-nos as suas apreensões sobre o futuro daquela colectividade, no receio de que qualquer desequilíbrio lhe viesse a ser funesto.
Mas não só a Banda lhe importava; todas as manifestações de vitalidade local o tiveram sempre à cabeça do rol como seu benfeitor. O nosso jornal, por exemplo, merecia-lhe o maior carinho, amplamente demonstrado, quer concitando valores que o amparassem, quer dispondo do seu valimento, sempre que este lhe era precioso.
O seu funeral foi bem o espelho das suas qualidades: - ladeado pelos Bombeiros, seguido pela Banda dos seus anelos cujo estandarte lhe cobria o ataúde, e acompanhado por uma multidão imensa onde se confundia o aldeão humilde com as figuras mais representativas da terra, tal foi o imponente cortejo onde todos se irmanaram no preito de admiração e saudade pelo homem prestimoso e bom que a morte acabava de ceifar.
* * *
Joaquim Pereira, o impoluto cidadão que todo o concelho conhecia e estimava, descansa em paz, prematuramente, pois faleceu com 56 anos apenas: - matou-o o coração, albergue dos mais nobres sentimentos, escrínio delicado de tudo quanto representasse o bem-estar da família, a felicidade dos amigos, e o bom nome desta sua terra adoptiva, que ele soube amar como poucos.
* * *
Arrasaram-se-nos os nervos na tarefa dolorosa: - queríamos-lhe como a um irmão mais velho!...
Luiz Rito
No “Noticias de Ourém” a 24/01/1937

3 comentários:

Anónimo disse...

Bom regresso, boas escolhas.
Um abraço para os netos de Joaquim Pereira, o João e o Zé com os seus corações novos, todos os outros, os herdeiros... porque sempre conheci Joaquim Pereira seguido de Herdeiros, proprietários da Loja do Povo!
E que bem escrevia Luís Rito!

Elvira disse...

Só queria dar-lhe os meus parabéns. Este blogue é muito bonito e interessante (sou uma munícipe da Marta de Baixo).

Anónimo disse...

A Banda de Vila Nova de Ourém, hoje Academia de Música Banda de Ourém, que Joaquim Pereira ajudou a fundar (tendo sido o 1.º Presidente da Direcção eleito) comemora, no presente ano, o seu 75.º Aniversário.
É importante recordar aqueles cujo trabalho e emprenho possibilitam as comemorações do presente.
Óptimo tema para o regresso do "Ourém Outrora".
Carmen Zita