2006/03/15

Má Lingua V

FADO DO MENDIGO

Mendigo desde criança
Porque a minha santa mãe
Não me deixou outra herança
Por ser mendiga também.
Durmo só pelos caminhos
Ladram-me os cães dos casais
Só sei o que são carinhos
Quando entro nos hospitais.
Quando às vezes sem ter pão
Tenho fome peço a Deus
Que me dê por compaixão
Um caminho lá nos céus.
E nem ele me consola
Que é tão negra a minha sorte
Que nem sequer por esmola
Deus tem para mim a morte.

O MERCADO

Tenho uma praça abundante
Vendo de tudo a fartar
Trago porcos e marrãs
E de leitões um milhar.

Este negócio dos porcos
Eu faço sempre ao avesso
Se desço a carne na feira
Na banca subo-lhe o preço.

Encho a travessa ao Madrufa
De frangos e pintainhos
De cabritos galinhas
E de coelhos gordinhos.

Ali à porta do Jorge
Ovos vendo às centenas
Gansos e patos marrecos
E outros bichos de penas.

Aos que compram p´ra negócio
Eu vendo antes do meio-dia
Faço às sopeiras coitadas
Com isso grande arrelia.

Há mesas com bugigangas
E barracas com riscados
Se a venda me corre bem
Olha os lojistas danados.

Melancias e melões
Peras, maçãs com fartura
Trago fruta todo o ano
Quer seja verde ou madura.

Ali por traz do comboio
De cereais o mercado
São favas, aveia e trigo
Milho bom e do furado.

Em carroças e jericos
De trazer não mais acabo
Couves, alfaces e grelos
Grandes cabeças de nabo.

Feijão verde, e carrapato,
É em grande quantidade,
Vendo pepinos, tomates
Dos de melhor qualidade

E terminadas as vendas
Bebe a gente uma pinguinha,
No final feitas as contas
Levo p´ra casa a sardinha.

O REPOLHO

REPOLHO
Sou a melhor hortaliça
Que vem aqui ao mercado,
Pegue-me aqui no pé
Veja como sou pesado.

BRASILEIRO
Ai que até me faz cobiça
Que beleza de hortaliça.

REPOLHO
Sou cortado em Fungalvaz
Chego aqui sempre fresquinho
Sou tenrinho e sou gostoso
De folhas apertadinho.

BRASILEIRO
Deixa cá ver-te por traz
Repolho de Fungalvaz.

REPOLHO
Pode ver à vontadinha
Desde o pé até ao olho,
Que tão bom e tão barato
Não encontra outro repolho.

BRASILEIRO
Ai repolhinho tão são
Que apanho uma indigestão.

REPOLHO
Farta muito este repolho
Não pode comer demais.
Se tem o estômago fraquinho
Fica para aí aos ais.

BRASILEIRO
Eu não sei... há Tempo já
Repolho não entra cá.

REPOLHO
Chegue-me azeite e pimenta
E marcho que é uma beleza
Mastigue bem mastigado
Que lhe não dou na fraqueza.

BRASILEIRO
Eu temperarei o molho
E quanto custa o repolho?

REPOLHO
Custa-lhe bem baratinho
Vai-se até admirar
Dá-me apenas dez escudos
E é pegar ou largar.

BRASILEIRO
Dez escudos tu não vez
Não te dou mais do que três.

REPOLHO
Mais do que isso gastei eu
Nos adubos e na amanha
Nem couves e das mais chocas
Por esse dinheiro apanha.

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