2005/06/22

Ourém de Ontem I

Vila Nova de Ourém, 4 de Outubro de 1959.
OURÉM DE ONTEM
Por Joaquim Ribeiro
Quando foi elaborado o programa das festas do VI aniversário da Casa de Ourém, incluiu‑se nele um ciclo de conferências ou palestras cujos temas versariam sobre a nossa Terra: “Ourém de ontem” – “Ourém de hoje” – “Ourém de amanhã”.
De amanhã não podemos ir além da imaginação, cálculos, suposições, fantasias enfim. Portanto só alguém com visão larga, bastantes conhecimentos, e um pouco de filosofia, disso se poderia encarregar, para que essas suposições ou fantasias não andassem muito longe da verdade.
De hoje, muitos poderão falar, parque não é necessário supor ou fantasiar. Todos nós o conhecemos, mais ou menos, bastando portanto saber escrever, arrumando as coisas melhor ou pior.
Destes subtítulos foram encarregados dois novos, cheios de vontade e saber.
O Zé Galamba com o seu entranhado amor à terra que o viu nascer, sentindo e profundando os seus problemas, vai falar‑nos do presente.
O Sérgio, mais novo ainda e por isso mesmo cheio de ilusões poderá fantasiar, falando‑nos do futuro.
De ontem, do passado contemporâneo, é preciso tê-lo vivido de perto primeiro do que tudo.
Julgo ser eu, de todos os mais ligados à Casa de Ourém, aquele que melhor o conhece, e talvez mais o sinta. E isto não é, por um lado, coisa muito agradável uma vez que, é o mesmo que dizer que sou o mais velho, e esta situação não deve agradar a ninguém.


Joaquim Ribeiro durante a conferência na Casa de Ourém.
Foto retirada do livro de Sérgio Ribeiro
“Nos 50 anos da Casa de Ourém – 1.º volume 1935/1964”, editado pela Som da Tinta.

Até aqui tudo está certo. Eu sei realmente quase tudo que se tem passado em Vila Nova de Ourém há cerca de 50 anos para cá. Alinhavar a coisa de maneira a poder contar‑vos, com o mínimo de enfado, é que se me torna mais difícil. Mas eu não pretendo fazer literatura nem apresentar‑vos trabalho com pretensões a conferência. Desejo sim contar‑vos sobre Ourém o que sei e apenas como sei. De resto, a assistência que me escuta é composta quase na totalidade, por velhas e boas amizades. Sabem até onde posso ir e eu não pretendo ir mais além, para que as deficiências de exposição, e elas hão‑de ser muitas, possam ser desculpadas. Hesitei mas decidi‑me.

Conheço Vila Nova de Ourém desde que me conheço. Nascido ali próximo, no meu Zambujal, já mesmo antes de para lá ir empregar‑me, ali ia às quintas‑feiras ajudar os meus pais a encaminhar os porquitos que iam vender ou comprar ao mercado semanal, ou igualmente nos dias 3 encaminhar as cabras ou os carneiros para a feira mensal.

Qualquer destas se realizavam, como ainda hoje, no Largo de Conde Ferreira, chamado Feira do Mês, e que então não passava da parte hoje ajardinada, estendendo‑se pela rua transversal a poente.

Mas foi em 1912, quando “assentei praça” no comércio em casa do meu saudoso amigo Manuel Augusto de Sousa, e digo amigo porque ele foi realmente sempre mais amigo do que patrão. Foi em 1912, dizia eu, que melhor comecei a conhecer a sede do meu concelho, e ao longo deste quase meio século tenho assistido e sentido toda a sua evolução, sentindo‑me contente quando esta é para, melhor e bastante contristado quando porventura se verifica o contrário.

Embora nós digamos que a nossa Terra está na mesma, que pouco tem progredido, estas afirmações não estão bem certas. Efectivamente o progresso tem sido lento e pouco, se compararmos esse pouco ao muito que nós desejávamos que ela progredisse. Entretanto, se é certo que muito há ainda para fazer, é certo também que bastante já se tem feito.

Digressão pelas belas ruas da Vila, a sua urbanização

A entrada da Vila pelo poente era uma entrada vulgar com umas casas modestas de um lado e do outro, mantendo-se algumas ainda no mesmo estado. Modificações de vulto apenas o armazém de Vicente Rodrigues e o grupo de seis edifícios de 1.° andar, junto da “Fonte Nova”, desaparecida, (não sabemos bem porquê); mais adiante o desaparecimento também, e este felizmente, “do Banco do Senistra”, desaparecendo com ele urna garganta que ali já então dificultava o trânsito. Ao mesmo tempo foi demolida também a velha Casa das Carvalhas, e o pequeno recinto junto dela, a nascente, onde às quintas-feiras as gentes do lado da serra deixavam presos os seus jericos – meio de transporte mais vulgar desse tempo – enquanto iam ao mercado vender as batatas, os ovos, as galinhas ou os coelhos para depois comprarem os remédios e as sardinhas, e ainda arroz café e açúcar, quando tinham alguém doente em casa. Neste lugar edificou-se depois o prédio onde esteve instalado há anos o Café Ourém.

Daqui até à Igreja; esta rua do lado direito encontra-se na mesma.

Da esquerda, pelo contrário, houve certas modificações: logo à entrada desapareceu a oficina de funileiro de João Mendes Leal e o talho da Câmara; da casa hoje de Joaquim Verdasca desapareceu também o banco de ferrador do Júlio Alves; a seguir a oficina de serralheiro do António Balseiro, e à esquina, mais tarde a habitação do falecido José Ezequiel e ultimamente a loja do José Dias destruída por um incêndio,

A chamada Avenida, certamente só parque era a única rua que tinha passeios laterais, estamos a vê-Ia ainda com a Repartição de Finanças e a respectiva Tesouraria e a Estação de Correios e Telégrafos, com a taberna do Manuel da Rafaela em frente, a da Maria da Fonte onde mora agora o Manuel Joaquim Ribeiro, e a da Nalha no gaveto norte. Cá em baixo a cocheira do António Guimarães e a oficina de reparações de bicicletas do Eduardo Beselga, com o “Ezequiel Biché”, de palmo e meio, mas já encarregado; mais abaixo à esquina, dum lado onde está hoje o Marinho, a salsicharia do João Espada e do outro a loja do Albano Ezequiel Vieira, passando para a mercearia do João da Amélia, oficina de sapateiro do Frazão, loja de chapéus e de calçado do Branco, mestre da música da então Charneca, e por fim para a Zé Dias que ali se firmou, até que um incêndio, há anos, o empurrou um pouco mais para cima.

Ao fundo já na outra rua, a loja do António Guimarães, depois agência de passaportes do José Boaventura Marques, oficina de correeiro do Francisco Claudino, e mais tarde, com a demolição do “Comboio”, para o armazém dos Leitões de Leiria.

CONTINUA…

No “Noticias de Ourém” a 04/10/1959

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