2005/06/25

Ourém de Ontem IV

Vila Nova de Ourém, 25 de Outubro de 1959.

OURÉM DE ONTEM
Por Joaquim Ribeiro

(Continuação do número anterior)

Aspectos de Vila Nova de Ourém – Como ali se vivia

Em certos aspectos a vida de Ourém, se algumas modificações teve foi para pior. Assim por exemplo as festas a Nossa Senhora da Piedade que anualmente se realizava tinham um programa muito mais completo e de maior interesse. A parte religiosa mantém-se igual ou semelhante, mas a civil em nada se compara: duas bandas de música, fogo de artifício, ranchos folclóricos, vindos de Soure e Pombal e de outras terras distantes, que com as suas músicas e cantares davam à Vila uma vida diferente e alegre. E até touradas chegou a haver. Em 1923 improvisou-se uma praça de touros, de madeira, no Ribeirinho, e ali se manteve por alguns anos.

Ali vimos trabalhar e fugir os aficionados da terra, coadjuvados pelo profissional Luciano Moreira e Augusto Gomes que ali o levou.

Mas neste aspecto, dizia eu, a coisa mudou muito: as festas têm sido o que todos nós sabemos: missa, sermão e procissão: meia dúzia de peças de música, as vezes mal executadas, uns tantos foguetes, venda das ofertas, e está festa pronta. É certo que há anos a uma destas festas se lhe imprimiu grande modificação para melhor. Houve arraial e com um belo programa cultural e recreativo, mas voltamos ao mesmo marasmo.

As comemorações do Cinco de Outubro, nos primeiros anos cheias de esplendor e grandeza, também foram morrendo a pouco e pouco certamente porque o seu impulsionador, Artur de Oliveira Santos, veio fixar residência em Lisboa.

No que respeita a outras diversões como: excursões, piqueniques, etc. também a coisa se modificou muito. Nesses tempos já distantes havia menos gente, mas talvez por isso mesmo éramos mais unidos. Havia mais iniciativa e mais colaboração.

Um dia – a uma segunda-feira claro – foi uma caravana de bicicletas até à Batalha para visitar o Convento e voltar por Leiria. A estrada de ligação do nosso com aquele Concelho estava longe de estar concluída. A nossa só chegava a povoação de Fátima, e daqui até ao limite do Distrito de Leiria, Algar de Água, cerca de 1km além da Cova da Iria, onde nessa altura não havia ainda uma simples barraca, tínhamos apenas um esboço de estrada – terraplanagem – mas nós – 16 amigos, alguns deles infelizmente já desaparecidos -lá fizemos o trajecto, algumas vezes em cima da bicicleta, outras vezes ela em cima de nós.

Anos depois, já com a estrada concluída, lá fomos de novo mas desta vez de camião alugado em Leiria, porque nesse tempo ainda por Ourém não havia desses meios de transporte Não me lembro já quanto custou esse passeio, mas do primeiro sei que levei dez tostões e ainda cheguei a Ourém com uns trocos.

As idas ao Agroal, no verão, eram frequentes com muitos companheiros e programa previamente elaborado. Duma vez até meteu Filarmónica – a da Charneca. - Todos os meios de transporte eram utilizados, mas a bicicleta e o jerico eram os mais indicados, porque só estes lá chegavam mesmo Os carros tinham que ficar no pinhal e o resto do trajecto era feito a pé.

Tínhamos que sair cedo, mas mais cedo ainda começava o Almeida fiscal a deitar foguetes à laia de despertador. Agora com mais possibilidades, estradas um pouco melhores, embora mais longe, automóveis às dúzias, de aluguer, e particulares e camionetas nas mesmas condições, vai-se lá relativamente muito menos vezes.

Já mais tarde também se realizaram vários piqueniques, mas também estes desapareceram de vez. Fez ali muita falta o Zé Leitão agora falecido em África, para onde tinha ido há anos.

Também se organizaram várias pescarias no nosso riozito, cujo produto era logo transformado em caldeirada, feita pelos que para isso tinham mais jeito, ali mesmo na eira do Cordeiro, hoje propriedade de Dr. Manuel Durão.

Duma dessas tenho gratas recordações, sempre avivadas com uma fotografia que possuo. Lá está o velho César e o Chico ainda miúdo, o António Dias e o António Ezequiel também ainda “cachopos” o António Marinho e o Bento Ferreira; o Figueiredo e o Lúcio; o João da Amélia, eu etc. E à noite nos meus “aposentos” no Pátio do Artur houve ceia de chocolate, feito numa panela de 20 litros e bebido por umas chávenas características, cujo nome aqui não posso dizer.

Era assim um pouco a vida do nosso tempo de rapazes.

Há 50 anos não havia cafés em Ourém. Não havia nem era possível haver, pois que para tanto não havia clientes. Os patrões e os empregados no comércio, constituíam a maioria da gente de trabalho, não tinham tempo disponível para os frequentar.

Os horários eram apertados. Os estabelecimentos abriam logo que começava a luzir o buraco e só fechavam próximo da meia-noite ou quando, já tarde, se acabava o petróleo no candeeiro.

Para se ajuizar deste excesso de rigor, chamemos-lhe assim, que depois se foi modificando e muito, basta dizer, que a loja da viúva, como atrás refiro, tinha três empregados homens que, se em dias de descanso semanal às 10 horas não estivessem em casa, já encontravam a porta fechada e no dia seguinte quando se apresentavam ainda apanhavam uma descompostura.

Não obstante, nos dias de trabalho estávamos ao balcão até depois das 11.

Como se vê não havia grande moralidade neste capítulo, mas em compensação tínhamos outras grandes vantagens. Os patrões, embora alguns mantivessem os empregados a certa distância (eu não tinha razão de queixa) eram nossos amigos, e quanto a ordenados a coisa também não era má. Recordo-me que quando o ordenado dum professor primário era de 15$00, e sujeito ainda a descontos, alguns de nos já ganhávamos 10$00 cama e mesa, o que correspondia a bastante mais. Mas voltando ao caso das horas de entrada, o que acontecia com os empregados da Viúva acontecia, mais ao menos, com todos nós, assim volta e meia lá estávamos a bater à porta da tia Lucília ou do José Nunes para ir dormir com este ou com o Figueiredo.

CONTINUA…


No “Noticias de Ourém” a 25/10/1959

1 comentário:

Anónimo disse...


Já mais tarde também se realizaram vários piqueniques, mas também estes desapareceram de vez. Fez ali muita falta o Zé Leitão agora falecido em África, para onde tinha ido há anos..



Bem curiosa...de certo este "Zé Leitão" será o meu AvÔ ...José Viana Sousa Leitão ( faleceu em África tinha eu 4 anos de idade ) tinha mais irmãos (a)uma irmã casada com família Rito e será irmão de Alfredo Viana Sousa Leitão (Bombeiros) ... um outro António (?) Frederico Viana de Sousa Leitão(foi para S. Tomé e Principe) ...quanto gostaría de saber ...
Muito obrigada