OURÉM DE ONTEM
Por Joaquim Ribeiro
(Continuação do número anterior)
Mais tarde – 1920-1922, já tinha os meus “aposentos” na feira da Loiça, e então era lá que alguns iam ter quando encontravam a porta do patrão fechada.
Cabe aqui uma história verdadeira com isto relacionada:
Numa dessas noites em que o Marçal me foi pedir “asilo” estiveram lá a conversar ate às tantas o Lúcio Casimiro e o Francisco do Vicente. Dois bons amigos 100% brincalhões. Pretendia que eles se fossem embora mas só o consegui bastante tarde. Não contentes quiseram ainda brincar mais, e então encostaram à porta da minha casa um banco dos que servem para armar as barracas no mercado, nos dias de feira. O Marçal que deu pela coisa, foi ver o que havia e o banco caiu-lhe em cima. Furioso, e para os amedrontar, disparou um tiro, para o ar, claro, e eles fugiram. Mas nesta altura ouviram passos pesados no Largo e julgando que era a Guarda Republicana, que podia complicar a coisa, esconderam-se na capoeira das galinhas, por acaso desabitada e esperaram, esperaram tanto que adormeceram e só acordaram de manhã.
Mas voltemos ao horário. O descanso semanal era à segunda-feira, que era aproveitada para visitar as nossas famílias e amigos da aldeia. Éramos do concelho, a maioria, o Zé Dias e o António iam para a Mata de Urqueira; o Bernardino e o António Moreira para a Atouguia; o António Vieira para Pinhel e eu para o Zambujal. Os que não eram do concelho como o Zé Maria; o Varanda; o Peralta; o Salvador; o Marçal etc. faziam-nos companhia quase sempre. Às vezes à noite íamos até a vila de Ourém, onde o Zé Dias, o Zé Ezequiel, o primo Júlio e o Tapioca tinham as suas namoradas e ali se improvisava logo um baile, em casa do sacristão – nesse tempo era assim.
Outras vezes passávamos um bocado da noite no Coxo Rito ou no Joaquim Baptista, enquanto os patrões e algum empregado já mais categorizado, se reuniam no Joaquim Claudino, mesmo em frente do Hospital, a jogar o burro americano.
Mais tarde, mesmo assim há cerca de 40 anos, já homenzinho, frequentávamos o Hotel Parque, o Ti Idalino ou o Madruga.
Ali se encontravam todas as noites o escrivão Vieira, o Luís da Balbina, o Manuel Fernandes, o Lúcio e o Ezequiel, o Pícaro, o Madruga e o sogro e eu e ainda outros. Jogávamos. Mas o Administrador do Concelho que era o velho farmacêutico António Leitão, fez constar que assaltaria a casa. Então Joaquim Simões disse ao mano “Manel” para andar ali pela Praça e se visse a Guarda aproximar-se fosse a correr prevenir-nos. Estávamos descansados. Mas às tantas bateram a porta da casa onde estávamos e diz o “Manel” cá de fora: Ó “Jaquim”, Jaquim abre a porta que está aqui a senhora guarda.
E já agora outra história do mesmo, isto sem que de qualquer modo queiramos ofender a sua memória, pois todos nós o considerávamos:
O Joaquim Simões tinha uma pequena mercearia e o “Manel” de vez em quando fazia de caixeiro, sem que disso alguma coisa percebesse. Um dia, na loja, uma freguesa que pretendia comprar um bocado de queijo da serra, viu o produto, não gostou. Não presta diz a freguesa. E o “Manel”, argumentava indignado: Não presta !!! Essa agora, então ele é quase só batata.
Dissemos atrás que chegou a haver um salão de bilhar, mas este como o Hotel tiveram curta existência.
A farmácia e a loja de Sousa eram centros de cavaco da gente grada da terra. Aqui se juntavam os mais categorizados e ali os funcionários mais modestos e alguns estudantes em férias.
Nesses tempos recuados havia em Ourém uma certa separação de classes, mais acentuada do que hoje mesmo. Davam-se bailes ali num primeiro andar da Praça onde só entrava o sangue azul e os altos funcionários. Em algumas casas particulares, reuniam-se para o mesmo fim comerciantes, um empregado ou outro mais “crescido” e os funcionários de menor categoria. Na associação dos Caixeiros reunia-se “a meia tigela” como se dizia, e lá para o Zé Couto e Aldeia dos Álamos a coisa descia mais ainda, em categoria, claro.
Não havia cafés, repetimos, mas em compensação havia de vez em quando recitas por amadores e por algumas companhias, em “tournée” pela província, algumas das quais, como a de Constantino de Matos, por ali ficavam temporadas grandes, pois embora os proventos não fossem por ai além, sempre iam ganhando para as despesas.
Nesse tempo havia em Ourém bastantes amadores dramáticos, mas só do sexo forte, pois o fraco não colaborava. Para suprir essa falta vinham de Leiria as manas Riosas, amadoras de grande categoria.
Mas os nossos cultivadores da “arte de Talma” não lhes ficaram atrás. Era o Joaquim António Casimiro, o António Leitão, o José Rito, o António Gonçalves de Freitas, o Luis Fernandes e mais tarde o Ezequiel Casimiro, o Manuel Freitas da Silva, o Moura Zenóglio, o Tapioca, o António Varanda e eu, o Lúcio e o Bento chegamos a experimentar as nossas habilidades, que se verificou bem poucas eram.
No carnaval de 1921 lembrámo-nos de organizar um espectáculo em benefício do Hospital. Foi um sucesso. O velho teatro, onde agora está o Grémio da Lavoura, encheu-se a transbordar. Não me recordo o nome da peça, mas sei que tudo foi desempenhado por nós homens, e nem sequer faltou a orquestra regida por Alfredo Leitão, e como nós, vestido com as fardas dos músicos da Filarmónica de Ourém.
Mais tarde veio outra gente, gente nova e com menos preconceitos, e então já o elemento feminino começou a colaborar, e podemos dizer que aí por 1926, mais ou menos, tivemos em Ourém uma autêntica companhia de revistas e opereta. Assim ali vimos com muito agrado a “Má Língua” “Leviandades” “Secção de Anúncios” “Intrigas no Bairro” etc.
Num destes espectáculos desapareceu o boné do Freitas e então resolvemos abrir uma subscrição para lhe comprar outro. A comissão inscreveu-se à cabeça, mas as importâncias eram fictícias – forno falheiro como dizia o Manuel J. Ribeiro. Comprou-se-lhe um boné e ainda jantámos todos na viúva de Zé Guiomar.
CONTINUA…
No “Noticias de Ourém” a 01/11/1959
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