Vila Nova de Ourém, 8 de Novembro de 1959.
OURÉM DE ONTEM
Por Joaquim Ribeiro
(Continuação do número anterior)
Os transportes de aluguer e a sua evolução
Os transportes passaram por várias fases. Primeiro eram os carros de António Guimarães, com um sortido muito razoável – “Breks” “Americana” e “Charrette” - que era o melhor que se podia arranjar nesse tempo; depois o João Espada com a sua charrette que podíamos classificar de luxo; o Pícaro com os seus cavalos brancos e sua prosápia de bom pé-de-rédea, que era efectivamente, e já mais tarde a tipóia de Vicente Rodrigues. Aqui, se bem me recordo, acabaram os transportes de aluguer de tracção animal, pois já nessa altura começavam a marcar posição os transportes mecanizados.
Primeiro o “calça arregaçada” do Raúl & Freitas, a seguir o Fiat descapotável do Manuel Joaquim Ribeiro; a “D. Elvira” do António Duarte; o Durá do falecido Emídio; o Balila do João Espada, etc. etc.
Aqui a coisa começou a tomar maior volume. Já havia também o pequeno Austin de António Chucha que trocou por um Chevrolet e a seguir por outro novo de igual marca. E daqui em diante perdemos-lhe o conto, até que hoje temos em Ourém uma praça de carros de aluguer como há poucas em vilas do nosso país.
Já por volta de 1914 tinha havido em Ourém um automóvel de aluguer novinho em folha. Era um “Hupmobil” descapotável, como o eram quase todos os carros desse tempo, e que custou mil e poucos escudos. Mas nesse tempo já era muito dinheiro e assim teve que constituir-se uma sociedade para a sua compra e exploração.
O condutor era o Eduardo Beselga, que nem carta tinha, nem era precisa. Também não havia polícia de trânsito. Claro que o carro não estava na praça. Estava na “lagarage” como dizia o “Migirico” empregado da Viúva, e só quando de longe em longe apareciam clientes, o Eduardo largava as bicicletas para se agarrar no volante.
Um dia uns amigos alugaram o carro e foram dar um passeio a Caldas da Rainha. Calhou 1$50 a cada um. Foi um escândalo. Ir às Caldas e gastar 1$50 era esbanjar dinheiro. Não faltou quem dissesse até que o dinheiro tinha sido roubado. Mas não foi. Era tudo pessoas idóneas e bem comportadas.
E já que falamos aqui, de transportes, é curioso descrever a maneira como nesse tempo era feito o das malas do correio:
A Chão de Maçãs ia todos os dias e noites o chamado carro do correio levar e trazer as malas aos respectivos comboios.
Neste aspecto, estávamos melhor servidos do que hoje, porque o carro que fazia este serviço tinha que ser, conforme determinava o contrato com os Correios e Telégrafos, de parelha e 4 rodas, e assim quem tivesse necessidade de ir para o comboio ou vir de comboio, tinha, ao preço módico de trezentos e dez reis, transporte garantido de dia e de noite, o que agora só acontece de dia.
De Vila Nova de Ourém, para os vários lugares que desfrutavam a regalia de ter caixa de correio, partiam todas as manhãs os respectivos “estafetas” e alguns apanhavam cada estirão!!...
O velho Gabriel ia todos os dias até Espite – 34 quilómetros, ida e volta – a Cristina do Alqueidão, por herança do pai, fazia o mesmo para a Freixianda e redondezas, mas esta à volta dos 50 quilómetros.
O Zé Cabreiro, de Pinhel, tinha uma volta mais curta, mas mesmo assim ia até Fátima. Para o Bairro e Gondemaria, outros partiam também, todos os dias, com igual missão.
Tudo se modificou nos últimos tempos, mercê das várias carreiras de camioneta e das bicicletas motorizadas.
A iluminação pública e as suas alternativas.
A iluminação teve também alternativas. Não conheci Vila Nova de Ourém sem iluminação pública, mas é natural que isso tivesse acontecido, mas muito, muito atrasadamente.
Quando a comecei a conhecer melhor, como atrás digo, era o petróleo que muito palidamente iluminava as ruas da Vila, o que aliás deve ter acontecido em todas as terras do país nos tempos já distantes. Mas após a implantação da Republica foram instalados três potentes candeeiros “Visar” que, a grande altura, iluminavam convenientemente os principais largos da terra – Praça, Largo da Loiça, e a dos Cereais. - Era o falecido Manuel a quem deles cuidava.
Cabe bem aqui o termo de “sol de pouca dura”, pois esta regalia ou benefício público durou pouco tempo. Passamos a voltar a encontrar o José António dos Santos – o José Ovelheiro de escada às costas, calcorreando as ruas da vila, à noitinha, para acender os candeeiros de petróleo, para depois, já de madrugada, fazer o mesmo trajecto para os pagar.
O comércio da terra já em 1912 era importante, e não sei bem se em certos ramos mais importante do que agora.
Em relação ao comércio.
O retalho de mercearias e ferragens tinha relativamente mais movimento. Esta falta de progresso compreende-se e justifica-se se atentarmos em que esse ramo de actividade comercial se encontra agora espalhado em quase todas as aldeias do concelho.
Assim, se o retalho não avançou, em contrapartida o atacado que não existia, nasceu e desenvolveu-se.
No meu tempo de empregado – primeiro marçano, que era assim que se começava na loja de Sousa, ali atendi muitos clientes, que a falta de armazéns ali se vinham abastecer ao retalhista melhor fornecido. Era o Manuel Lopes Nogueira, da Charneca; o José Vieira da Silva, de Espite; o Inácio Alho da Atouguia, o José Lopes do Murtal; o António Ribeiro Freire, de Rio de Couros e tantos outros que a memória deixou passar. Hoje todos esses estabelecimentos, nas mãos de outros donos, pois aqueles já, segundo creio, desapareceram do número dos vivos, todos esses, dizia eu, e muitos outros que foram abrindo nas várias aldeias do concelho, têm melhor e maior sortido e o publico já não precisa ir á vila para se abastecer.
Daí a razão, como atrás digo, do comércio retalhista da vila não ter acompanhado o aumento da população da terra e das aldeias.
O mercado da quinta-feira era dos mais importantes da região, a feira do gado, chamada, era onde é agora o mercado da fruta; a praça cheia de barracas de chitas e riscados, e de ourives ambulantes; no Largo da Igreja assentava arraias com o seu carro de 4 rodas, a padeira de Leiria e em frente junto ao Raúl, os sapateiros do Pafarrão vendiam o seu calçado; e ao longo da rua principal, das Guimarães ao Já-Cá-Tá, os cestos de tremoços e de cerejas na época eram às dúzias.
A tia Lucília vendia café no seu toldo apropriado, junto ao “comboio” e em todas as tabernas, como agora ainda, comiam-se sardinhas e bebia-se bom palheto.
Nos estabelecimentos não havia mãos a medir, pois era preciso apurar bastante nesses dias, porque nos restantes quase não dava “para o petróleo”, e na sexta-feira costumava aparecer o Zé Rato e o Professor Oliveira, agentes bancários desse tempo, com letras para receber.
Nos dias 3 realizava-se já então a feira mensal, sempre fraca, como agora ainda. E em Outubro a feira anual, que apesar de velha ainda hoje se chama nova.
(Conclui no próximo número)
No “Noticias de Ourém” a 08/11/1959
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